Entrevista com Mamou Ndiaye: O Futebol amador de Senegal
O Guia do Boleiro conversou com ex-cartoleiro de Senegal, atual engenheiro e professor de universidade no Brasil.
Mamour Ndiaye hoje é um bem sucedido doutor em engenharia elétrica, e um torcedor fanático do São Paulo.
Sua paixão pelo futebol o levou para à uma carreira como Cartola em sua adolescência no Senegal.
Porém em 1998, deixou seu país para estudar na Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, mas suas histórias e seu legado segue vivo em seu país até hoje.
Mamour para o Guia do Boleiro
De onde o senhor vem?
M: Eu sou Mamour, eu sou africano do Senegal, sou de uma cidade do interior chamada Taï Ndiaye, essa cidade foi fundada pelo meu tetravô em 1789, era justamente para lutar contra a desgraça chamada escravidão.
Nem um ser saiu da nossa cidade para ser escravo, tanto é que nossa cidade tem nosso sobrenome, se não fosse minha deficiência física eu seria cartola, mesmo assim quando eu era mais jovem eu organizava torneios, eu ia atrás de muitas coisas, mas meu pai não queria que eu fosse para o ramo do futebol, ele queria que eu estudasse, e para honrar meu pai eu estudei, hoje eu sou doutor em engenharia elétrica, sou professor universitário.
Mas acho que agora eu tenho todo o direito de curtir a minha vida de cartola.
Como começou como Cartola?
M: O momento que mais comecei a me interessar pelo Futebol foi na época de 86. Eu nasci em 75, e com meus 11 anos eu conseguia identificar a copa de 86, eu me lembro de tudo até hoje. Naquele jogo que o Brasil perdeu para França, eu não jantei, porque afinal, nós chamamos o Brasil “Os Deuses do Planeta Futebol”, por causa disso também meu desgosto com o Zico e com o Flamengo começou lá.
Eu fiquei absurdamente triste, só não fiquei mais triste porque o Maradona conseguiu dar ao Futebol, sua devida personalidade, e do ponto de vista individual, nem um ser humano vai fazer.
O Futebol no nosso caso no Senegal, praticamente acontecia nas nossas férias, que começavam no final de maio, então a gente tinha, junho, julho, agosto e setembro. Então, nas férias escolares, a gente organizava torneios de bairros, cidades, realmente era uma organização bem feita, mas era uma rivalidade totalmente feroz, mais feroz do que um Brasil x Argentina, porque era todo mundo do bairro e ninguém queria perder, o assunto era sério.
Eu comecei representando meu bairro, depois minha cidade, eu fui evoluindo. Como eu estudava e até entender a legislação esportiva naquela época, eu já cheguei a ser presidente da comissão desportiva, por exemplo, quando havia um ato disciplinar, eu que julgava, tudo isso aos 11 anos. Aos 16, eu virei presidente do time de minha cidade que é chamado ASCT (Associação Sportiva Cultural Taï Ndiaye), isso me permitiu lidar com vários tipos de pessoas, porque essa minha determinação de quebrar o gelo, até pessoas que eu não conheço, viraram meus camaradas meus associados no momento seguinte por conta do Futebol.
Como era fazer as organizações dos campeonatos?
M: Primeiramente que a gente não tinha dinheiro, para organizar um campeonato, o que a gente fazia era mandar carta, buscava algumas pessoas e mandava cartas de ares de benevolência, aí o pessoal ajudava, o dinheiro na época era pouco, você juntava, você tinha pouco mais de 5 mil ou 6 mil reais, aí nesse caso você organizava o torneio, comprava o troféu, equipamentos, uniformes e tudo.
Aí o pessoal ia jogar, e aí você reservava uma quantia simbólica pequena e dava, mas o título era mais importante que o dinheiro.
Os campos eram como aqui do Brasil?
M: Não, os campos eram da prefeitura. É livre para a gente pode usar.
Fale um pouco mais sobre seu time
M: ASCT (Associação Sportiva Cultural Taï Ndiaye), nascemos num momento que o futebol tinha jogadores renomados jogando bola no Senegal, a primeira experiência que tivemos numa competição internacional que quase ganhamos, foi a Copa Africana de 1986, da mesma forma que o Brasil ficou extremamente tocada quando perdemos a Copa de 1982, não ganhou por um detalhe, também não ganhamos por um detalhe.
Aquilo lá foi um movimento que deixou todos nós que amávamos o esportes, eu não tinha dinheiro, mas com o dinheiro que eu tinha eu comprava camisa de times europeus, eu estava muito fascinado com essa história, como deficiente físico não poderia jogar, então parti para a organização, então como eu estudava, eu fazia toda essa parte de programação de jogos, e no final eu organizava se um time escalou um jogador irregular ou não essas coisas.
Existe incentivo ao esporte no Senegal?
M: Posso te dizer que não, incentivo ao esporte é zero, da parte do governo todas as iniciativas de incentivo ao esporte é via do setor privado.
Esperar que o governo vai investir no esporte é nada, lá, diferentemente do Brasil, a gente tem ministro do esporte, também é a mesma coisa que não ter, de fato o governo não investe no esporte, Senegal vai inaugurar um estádio tão bonito, que custou muito dinheiro, mas isso não quer dizer que eles investem em esporte não.
O governo simplesmente deixou muito a desejar, esse estádio é de primeiro mundo, bem bonito, não é estádio para proletário, não é isso que a gente precisa, investir em esporte para mim é um assunto bem mais amplo.
É você simplesmente fazer o povo se mexer esportivamente, organizar oportunidade para que a população da terceira idade se mexer, como começou a ter aqui no rio, aquela coisa de esporte ao ar livre, essa iniciativa boa, eu gostei.
Formado em Letras: Português e Inglês, é um amante do futebol de todos os cantos do globo e vem se dedicando a expor sua paixão pelo futebol como redator especialista do Guia do Boleiro.